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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O Sarau


Era como se fosse o arco-íris, com mais do que sete tons de cores. Corria um vento quente, levezinho, com cheiro de mar. Cheiros de todas as frutas brincavam no ar, parecia dia de feira. Uma voz suave e doce chegava aos meus ouvidos. Era um caleidoscópio humano. Nuvens anunciavam chuva, bocas entoavam poesias. E eu te vi uns dois metros distantes de mim, sentada no chão, de sombrinha aberta em punho.
 Olhava fixamente para o palco improvisado, simples caixinhas empilhadas umas nas outras. Lá em cima, um homem tocava violão, e uma mulher, pintada de branco, lia um poema. Lia, com toda sua força e energia. Sua voz estava rouca, sua boca sorria, seus olhos passeavam por todos os rostos da plateia. Eles eram azuis. Movia-se com uma graça de dançarina, carregava gestos de hipnose.
As horas passaram e o Sol lá em cima foi embora, já lâmpadas iluminavam nosso sarau. Alguns tinham ido embora, outros mais tinham vindo, eu continuava no mesmo local, assim como você. Lá em cima, continuavam a “rimar rima com rima”, cantar alma com alma, arrancar sorrisos com olhares, eram poetas completos, com uma chama de Literatura dentro de seus corpos.
A Lua tingiu de prata seus cabelos, sua pele e seu olhar. Nem parecia que você estava lá. Estava tão aérea, tão concentrada nas bocas que se mexiam lá em cima. O vento brincava com seu cabelo e você nem se incomodava. Despenteado era ainda mais lindo.
Ouvi um sussurro, numa língua que não conhecia: era o vento que em mim falava. Empurrava-me para frente, como se quisesse que eu fosse falar com você. Não resisti e me levantei. Não me importava com a poesia que estavam fazendo lá em cima, você era um poema muito melhor, do cabelo bagunçado até o pezinho de boneca.
Já você não estava mais pintada de prata, as nuvens engoliram a Lua. O vento estava ficando mais forte e mais ousado. O cheiro abafado que anunciava a chuva fez-se presente e as primeiras e aventureiras gotinhas de chuva começaram a cair. Uma, duas, três, quatro, já ninguém conseguia mais contar quantas eram e quantas caíam.
Você finalmente acordou. Diferente dos outros, não saiu correndo em busca de um lugar para se proteger da chuva. Não, diferente disso, você não considerava a chuva como uma ameaça. Deixou que os pingos caíssem e te molhassem.
– Não tem medo de ficar doente, moça? – Perguntei, depois de ter me aproximado.
– Eu ficaria doente era se continuasse nesse calor. Que dia bom foi esse!
E você riu. Era uma risada mais bonita que o som do violão do homem que estava tocando pouco tempo antes. A chuva fez a tinta da cara da mulher de olhos azuis escorrer, revelando um rosto marcado de rugas, com certeza de risos. A chuva veio e trouxe pressa a todo mundo, tirou o pó e a maquiagem do rosto de todos. Estava tudo nu, tudo feio, menos você. Seus cabelos soltos e molhados, grandes, negros como a madrugada, eram lindos. Seu riso, calmo e sem pressa, como se você não estivesse preocupada com nada no mundo. Realmente, esse foi um dia bom. Não, mais que bom, foi perfeito.
Era uma nuvem pequena, a que estava dando chuva. Pouco tempo depois, as gotinhas pararam de cair, tudo voltava a ficar calmo novamente. Era silêncio e fazia frio. Estávamos molhados e sozinhos no meio da rua, com a Lua lá em cima, livre para te pintar mais uma vez.
Beijei-te. Lábios quentes, cheiro de fruta madura. As pessoas que tomam um banho de chuva juntas já podem ser consideradas íntimas. Eu já te conhecia. Você era o sujeito oculto de todas as poesias de amor.
Beijei-te, e nosso beijo não foi nenhum pecado.
Acordei no outro dia, e fui te chamar. Dei três passos e me lembrei que foi um sonho.



Lucas Dantas

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